Gustavo de Andrade Durão


O ensino de História: problemas atuais de um passado não muito distante


A História enquanto disciplina tem sofrido profundas transformações desde as últimas décadas do século passado, sendo muitas dessas mudanças percebidas claramente nas novas abordagens propostas. Historiografia e Ensino de História parecem estar em planos diferentes, o que trouxe uma desvantagem muito grande em relação aos dois espaços de atuação. Em grande parte, isso se dá por conta das especificidades dos ambientes de diálogo que por vezes rivalizam entre si, demonstrando de que modo as separações temáticas podem ter segmentado a História dentro de seus subtemas e dentre as outras ciências humanas.

Apesar da grande renovação da Ciência-História responsável pela difusão de livros, filmes e séries responsáveis pela valorização dessa disciplina ainda encontramos outra dificuldade, a de adaptar as novas pesquisas acadêmicas aos espaços escolares, demonstrando uma forte elitização e encastelamento dessa disciplina. Aliado a isso, a História tem sofrido um forte ataque com a reforma no Ensino Médio segundo a qual se propõe uma “flexibilização” nas áreas de docência, ou seja, não tornando obrigatório o ensino de noções básicas da nossa História, bem como das relações entre tempo e espaço. [pode ser visto em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=40361#nem_01]

Após a década de 1980 o campo histórico foi renovado e acreditou-se na interdisciplinaridade que uniria História, Geografia, Sociologia e Filosofia, integrando de maneira mais clara as ciências humanas, rumo à formação do indivíduo, mas também do cidadão. Contudo, a História e suas especificidades engrossaram as fileiras da academia trazendo transformação e ampliação das pesquisas, muito embora não houvesse uma integração entre os campos de investigação e a da docência, fazendo com que o ensino de História ficasse cada vez mais engessado na História dos acontecimentos.

A identificação destes três problemas propõe interpretações de como o “novo ensino de história” se assemelhou cada vez mais de algo distante das propostas educacionais e acadêmicas nas quais encontramos a relação ensino-aprendizagem caracterizada pela inovação e pela autonomia dada ao aluno. Pensar a História e seu ensino será sempre uma maneira de identificarmos nossa condição atual e perceber ainda o que é preciso fazer para que a História seja aproximada da realidade do aluno, sem gerar um sucateamento da disciplina e muito menos que ela seja tratada como uma área de menor importância.

Os campos históricos
A História foi vista de forma simplificada como uma “ciência que explica o passado” ou uma disciplina responsável pela perpetuação dos processos de memória. Mas isso não permaneceu, pois, a História começou a ser pensada como uma maneira de se compreender a realidade vivida e ainda como nossa história pode ter um caráter cíclico.

Essa percepção da realidade não foi mais influenciada por outras disciplinas além da História. De certo modo, a relação do homem com a natureza e com seus semelhantes acabava auxiliando na melhor compreensão da realidade, das transformações das sociedades e de caminhos possíveis para um mundo mais igualitário. Muito embora as universidades existissem na Europa desde o século XIII, somente no XIX o conhecimento histórico começa a ser incentivado dentro dos ambientes universitários [BORGES, 2006, p.37-8].

A História merece mais do que uma definição, mas uma compreensão geral de que através dela é possível compreender a realidade de nossa sociedade, visto que ela é uma disciplina em constante transformação. O historiador/ professor de História tem o dever de se reinventar, procurando novas análises sobre antigas explicações do mundo.   

A fragmentação da História é um problema bastante atual, visto que as especializações propõem inúmeras análises que geram demandas de um conhecimento genérico dos tempos históricos, bem como dos momentos e dos personagens mais emblemáticos para a História. Esse problema é apontado pelo professor José D’Assunção Barros no livro “O campo da História” [Vozes, 2013] onde pretende além de apresentar os nichos da História, representar um amplo debate na história da História. A fragmentação promovida pela especialização na História é sim um problema, mas demonstra ainda o quanto não é mais concebível uma “História Única” para usarmos a expressão da literata Chimamanda Adichie. Para mais veja o vídeo e a transcrição do vídeo no site geledes.org.br.

Nesse sentido, as interpretações se chocam, demonstrando uma necessidade de renovação dos campos históricos e um diálogo entre eles, para que seja possível desfazer interpretações reificadas e proporcionar uma nova maneira de ver as experiências históricas [BARROS, 2013,11].

“Os problemas pertinentes à fragmentação do saber afetam também, de maneira intermitente, a prática historiográfica de nossos dias (o diagnóstico econômico pode não dar conta de um problema das mentalidades, e o sangramento social que produz uma revolução política pode ter como causa mater uma questão religiosa). Isolado no seu pequeno mundo, o historiador deve enfrentar os riscos de sua hiperespecialização ao mesmo tempo em que recebe estímulos sociais e institucionais para aprofundá-la cada vez mais [BARROS, 2013, 13 – grifos do autor].”

A crítica da especialização também pode abranger os campos institucionais quando vemos as pesquisas (especialmente as eclesiásticas) caindo na “ilusão biográfica” e rompendo com as interpretações dos fatos, ou mesmo as pesquisas associadas aos espaços militares que trabalham com alguns silenciamentos nas suas interpretações. Seria possível afirmar que uma especialização nos campos institucionais colabora para um personalismo nas constituições das narrativas históricas. Perceber a existência disso nos livros e pesquisas é compreender a dificuldade de um historiador se distanciar do objeto e manipulá-lo de acordo com seus interesses. 

Apesar de ser incentivado por filósofos, políticos e literatos a História ainda era dotada de extremo dogmatismo e o ideal positivista era hegemônico dentre essas produções. A escrita da História era fortemente influenciada pelo caráter nacional em um claro projeto de relacionar-se com as atividades políticas e institucionais. Em 1930, fortemente influenciada pela História Econômica surgiria a École des Annales(Escola dos Annales) fomentada por Marc Bloch e Lucien Febvre:

“Numa luta contra uma história que fosse somente política, narrativa e factual, e a partir do desenvolvimento de outras ciências do homem, utilizando como inspiração suas técnicas e seus métodos, são agora os responsáveis, como o foi o materialismo histórico, por um novo grande impulso no conhecimento histórico. Embora sem uma unidade teórica, abrem, pelo exemplo de inúmeros trabalhos, um campo mais amplo de análise, além do limitado positivismo” [BORGES, 2006, 39].   

As análises na História voltaram a ocupar com grande força os espaços literários e a dialogar com outros saberes das ciências humanas. A história nacional prevalecia no século XIX, mas a História regional também perdura, enfatizando as especificidades geográficas de espaços e de sociedades no mundo todo. A noção de História Mundial foi divulgada amplamente, muito embora o desejo de generalização fosse um ponto fraco de sua análise. [BURKE, 2011,8].

A rixa entre a História Econômica e a História Social, por exemplo, foi outro fator que contribuiu para o não desenvolvimento da História como um todo. A História Social pegava emprestado as perspectivas marxistas buscando novos significados e associando-se a École dês Annales e a História econômica teve grande aceitação entre os estudiosos da História do Meio ambiente ou da eco história.

As discussões sobre as formas de dominação e o poder são evidenciadas pela História Política que teve em Foucault uma forte inspiração. As análises passaram a orbitar as realidades da fábrica, da escola e das maneiras de se exercer o poder, até mesmo nas famílias. Cabe lembrar a adaptação da História Política aos preceitos da Nova História, visto que as mentalidades eram também incentivadas e a coletividade era analisada cada vez mais. A História Política ganha um espaço importante, até porque o “homem é um ser político” no dizer de Rousseau e a política está em tudo [BURKE, 2011, 8]. 

Essa nova abordagem buscava chamar a atenção para a análise das estruturas sociais de modo mais amplo, fossem elas econômicas, políticas, culturais, religiosas, etc. Abraçando uma perspectiva de História total os idealizadores dos annales se debruçaram nos grupos humanos e não se esquivaram das relações com outras áreas do saber como economia, sociologia, política, filosofia, enfim, outros campos de estudos capazes de trocar com a história [BORGES, 2006, 40].

Chegando efetivamente à Nova História é possível perceber o desejo de renovação dessa área do saber, principalmente, porque um paradigma tradicional de História “engessou” a disciplina demonstrando que somente se poderia fazer história através da descrição dos grandes acontecimentos ou das abordagens sobre os grandes nomes da História. O mais interessante foi perceber que os Annales buscavam o ser humano e tudo que permeava a atividade humana, trazendo uma renovação fundamental para o campo histórico.

A grande virada da História cultural percebeu que era importante fazer das narrativas novos espaços de debate e interpretação. A maleabilidade da História trazia a possibilidade dessa renovação e as antigas análises, por vezes reificadas, seriam resignificadas, fosse por nova documentação encontrada ou fosse por conta dessa necessidade de se repensar o método.

Como toda movimentação teórico-metodológica a História Cultural trouxe o problema de um relativismo cultural. Vale dizer, as bases filosóficas dessa nova História afirmam ser uma realidade social ou culturalmente constituída [BURKE, 2011,12].

Interessante a lembrança de Burke [2011, p.12] de que os historiadores profissionais enfatizavam a narrativa dos acontecimentos, enquanto a nova história pede a interpretação das estruturas, sejam elas sociais, políticas ou mesmo somente as doindivíduo.

Acreditava-se que após a década de 1980, em grande parte devido ao processo de redemocratização, nós avançaríamos em relação às mudanças no currículo de História levando em conta as novas propostas educacionais. Os autores europeus voltam a ocupar os espaços do debate curricular e parecia que as propostas da Nova História seriam implementadas nas escolas [GASPARELLO, 2001, 79].

Para fazer um breve adento, lembramos do currículo e da escola como instrumentos de dominação dos indivíduos. De certo modo, o currículo carrega os elementos da produção política e cultural de uma sociedade, sendo um espaço de contestação ou de reprodução do conhecimento. Nosso sistema escolar ainda funciona através de um modelo de “controle do tempo” e de vigilância que expressam uma visão de cultura como a soma de saberes tidos como oficiais, visando cumprir uma agenda centralizadora [GASPARELLO, 2001, 80].

“Mas os conflitos e as contradições fazem parte do movimento social e do real. Nesse sentido, precisamos estar atentos e conscientes das mudanças – perceberemos as ‘inadequações’ do nosso fazer ao movimento de transformação do nosso tempo [GASPARELLO, 2001, 80].”

As relações entre currículo, educação e ensino de História foram se transformando desde a década de 1970, quando a História Econômica e a História Social, influenciadas pela sociologia de Florestan Fernandes, retomam o desenvolvimentismo para em seguida, desmontarem suas bases teórico-metodológicas. Inevitavelmente, a Nova História trazia em seu bojo não só as perspectivas analíticas dos Annales, mas ainda as marcas de uma historiografia fortemente incentivada pelo marxismo e pelo materialismo histórico [FALCON,1996, 10].

A década de 1970 foi interessante porque demonstrou que nossa historiografia oscilava entre tradição e inovação. Houve uma preocupação evidente em relação ao ensino de história e foi uma época fortemente influenciada pela crítica às ideologias. Dessa maneira, o discurso de uma história tradicional (personagens e datas emblemáticas) ainda existia, mas era feito de modo subliminar [MOTA, 1968,13].

De certo modo, a historiografia brasileira ainda não conseguia abranger as perspectivas teóricas da História Nova, mesmo após 1970 e parte da intelectualidade brasileira buscava reencontrar nossas tradições, isso pode explicar a retomada dos autores clássicos do início do século XX, tais como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda entre outros [CARVALHO, 2017, 193-4].

Um forte exemplo da nossa busca pela identidade nacional e pelas grandes produções na História está expressa no posfácio de “Visões do Paraíso” escrito por Ronaldo Vainfas. O professor Vainfas convoca esses precursores da historiografia brasileira demonstrando não só a necessidade de exaltarmos suas análises bem como nos apropriarmos delas continuando os debates tão importantes na constituição da História da História. De uma maneira ou de outra a História Nova pode não ter entrado tão profundamente nas produções historiográficas, demonstrando algumas peculiaridades da nossa escrita da História.

Métodos e aplicações
No início dos anos 2000 lembro das aulas de prática de ensino da Universidade em que tínhamos contato com inúmeros livros didáticos e nós (aspirantes a professor) compreendíamos não haver grandes mudanças entre eles, pois seguiam uma linha editorial mais ou menos comum. Mas a professora da disciplina havia citado uma coleção de livros que trabalhava com História Temática, não seguindo uma ordem cronológica propriamente dita.

Alguns alunos acharam bastante interessante aquele método, mas não era uma coleção de fácil aplicabilidade, pois demandava um conhecimento prévio do professor de tempos e espaços distintos. Muito embora, esse não fosse o problema principal, a grande questão era que esse material não seguia uma linha política como os outros e rompia o padrão tradicionalmente seguido nas estruturas dos livros didáticos.

Segundo Foucault há “um poder disciplinar que cuida de controlar o tempo e vigiar os sujeitos envolvendo-os em processos de disciplinarização” e pode ser por isso que a escola ainda é um lugar que repele essas inovações.

Outro educador bastante atual é Paulo Freire, quando diz que há uma educação bancária responsável pela manutenção de um padrão, geralmente, associado ao não incentivo de uma consciência crítica. O aluno tornou-se alguém acrítico, que só absorve e reproduz os conhecimentos, sem precisar elaborá-los; a escola não é nem de longe um local neutro nesse processo:

“Um estabelecimento escolar é, desse modo, o espaço de conscientização, mas também de alienação; do adestramento dos corpos para serem livres, mas também para serem explorados; da luta entre utopias voltadas para a construção de um novo futuro e de ideologias voltadas para o passado... É o espaço penetrado também por outras instituições como família, Igreja, etc. [ROCHA, 2001, 50].”

Impossível esquecer o célebre clip da música do Grupo Pink Floyd – Another Brick in the wall (1979). Nos tempos atuais podemos dizer que o debate da escola sem partido passa por essa percepção do espaço escolar como algo capaz de disciplinar e “formar” a mentalidade do aluno. Assim, compreendendo a capacidade de a escola ser esse espaço de compreensão das ideologias o pode público busca se apropriar desse espaço para cumprir a maior parte de suas agendas políticas.

Nesse sentido, lembramos a contribuição de Edgar Morin que defende os quatro pilares da educação no século XX: saber aprender, saber fazer, saber conviver, saber ser. Os educadores começaram a investir nas competências e a educação à luz do pensamento complexo de Morin ajuda a pensar e transformar o sujeito, no seu processo de concepção de cidadão. Há uma responsabilidade por sua autoafirmação, contudo, o papel do educador será mediar a formação da sua dimensão política, econômica, cultural, enfim, suas múltiplas dimensões [PETRAGLIA, 1995, 15]. Morin acredita que o pensamento complexo proporciona a ampliação do saber, nos conduzindo a uma maior compreensão dos nossos problemas essenciais, sobretudo, quando compreendemos que com o contexto e com a interligação das nossas questões somos impulsionados ao enfrentamento da incerteza.

O ensino de História parece ter se concentrado em quatro eixos principais: a saber História Antiga, História Medieval, História Moderna, História Contemporânea. Um incentivo do Estado Novo foi incluir História do Brasil como um outro campo a ser estudado, o que permanece até hoje [GASPARELLO, 2002, 84]. Compreende-se que o nacional esteve durante muito tempo ligado aos estudos históricos, tendo sido praticamente toda a base dos estudos históricos há décadas.

Mas a dificuldade de inserir a Nova História nos currículos escolares também atrapalhava o desenvolvimento de novas pesquisas no campo acadêmico. A História dos acontecimentos tornou muito difícil problematizar a (re)constituição das narrativas historiográficas. Então o aluno fica distanciado do tempo vivido, não compreende de que modo o tempo passado pode se relacionar com o tempo presente. Ou seja, romper com essa história mais tradicional (dos acontecimentos) representa problematizar o tempo presente abrindo caminho para a construção da consciência crítica. 

A noção de rompimento com o discurso histórico das elites surgiu influenciada pela História Social, levando a retomada de algumas interpretações. Nesse ponto, surgia a crítica aos annales visto que só eram aceitas as elaborações historiográficas associadas aos europeus e aos grandes intelectuais do século XX [SHARPE, 2011, 51].  De acordo com o professor Sharpe:

“[...] a importância da história vista de baixo é mais profunda do que apenas propiciar aos historiadores uma oportunidade para mostrar que eles podem ser imaginativos e inovadores. Ela proporciona também um meio para reintegrar sua história aos grupos sociais que podem ter pensado tê-la perdido, ou que nem tinham conhecimento da existência de sua história [SHARPE, 2011,60].”

Apesar de parecer um pouco vago, o conceito de uma história vista de baixo representa algo inovador quando rompe com as grandes estruturas, quando não se mantém atrelada à longa duração e valoriza os relatos nos seus aspectos mais “populares”. Dito de outra maneira, é descentralizar os atores históricos, se imaginarmos, por exemplo, que os relatos dos escravos nos revelam tantas coisas quanto os dados das feitorias e ou dos senhores.

Em “A escrita da história: novas perspectivas”Burke lembrou bem o quanto a História tradicional seguia esse paradigma cartesiano-newtoniano e se apoiava em um modelo de ciência mais adequado a um saber absoluto. Vale dizer, que no tempo presente a História não necessita mais se afirmar enquanto ciência, mas realizar as transformações culturais e sociais que estiveram nas suas bases teórico-metodológicas [BURKE, 2011, 10].

Hoje o historiador tem a liberdade de escolher seu objeto, libertando-se dessa História Factual, voltada aos grandes eventos. Nesse sentido, a Micro-História, o estudo das mentalidades e mesmo a História oral apresentaram importantes contribuições para se romper com aquela escrita tradicional da História. Como no campo teórico da educação alguns professores também buscaram romper com o método tradicional de ensino, por vezes, enfadonhos.

“Apesar de uma aparente modernização que aparece mais nas palavras do que na ação, fruto da influência escolanovista, o ensino em geral (e talvez mais especificamente o ensino da História) permanece para muitos como uma ladainha repetida pelos herdeiros da tradição jesuítica [GASPARELLO, 2001, 74-5].”

Como enfatizado anteriormente essa Nova História não entrou nos projetos políticos e no mercado editorial por conter muitas mudanças nas suas estruturas. Uma coleção que foi lançada, mas não houve uma continuidade/incentivo foi a coleção da editora contexto “História em Documentos.” Essa coleção preconizava que o aluno poderia fazer suas próprias interpretações a partir da leitura dos documentos originais, o que representava não só alguns dos preceitos da Nova História, como ainda ideais construtivistas. Na minha prática de docência utilizo o livro História Contemporânea através de textos – série textos e Documentos. (Editora Contexto). O livro traz trechos de documentos originais e análises feitas por historiadores renomados como o britânico Eric Hobsbawm auxiliando profundamente a escolha dos textos por parte dos professores.

Outra dificuldade enfrentada é a interdisciplinaridade. A relação entre as disciplinas é poucas vezes enfrentada com assertividade e poucos educadores conseguem adotar uma postura mais colaborativa em sala de aula.  Sob esse aspecto “professores e alunos, como sujeitos de suas práticas, podem efetivar novas experiências, forjando novos saberes no conhecimento de suas/nossas novas Histórias [GASPARELLO, 2001, 89].”

A História enquanto disciplina poderia investir em situar o aluno em seu contexto histórico. Seria mais proveitoso fazer com que atuassem mais e reproduzissem menos, que agissem e transformassem mais. Não é mais aceitável que o aluno só reproduza os conceitos, ele precisa refletir sobre eles e reapropriar as interpretações históricas tendo como base suas experiências.

Entre os bancos escolares e os arquivos
A escrita da História está ligada essencialmente às instituições, como bem lembrou Michel de Certeau[1982, p.66]. A Disciplina História se constitui em função das instituições e isso pode elucidar porque é tão difícil fazer essa revolução conceitual, como preconizaram os autores do annales. E escolhemos esse autor pois ele foi considerado um dos continuadores dessa Nova História e, esse pensador foi assertivo quando disse que os historiadores se acham os mais comprometidos com a verdade. Ainda hoje, vemos isso, mas Certeau demonstra o quanto o conhecimento acerca dos nossos objetos de estudo nos afasta da concepção de diversas interpretações da verdade.

Michel de Certeau é igualmente feliz quando aponta que o uso das técnicas e métodos científicos foram úteis durante muito tempo como instrumentos para legitimar a História enquanto disciplina. Contudo, a história como prática não pode requerer somente uma técnica para a produção historiográfica [CERTEAU, 1982, 78].

O historiador contemporâneo compreende seu compromisso com o que já foi produzido e não consegue romper com os paradigmas da História Tradicional, fundamentalmente por conta das técnicas usadas para que a História fosse tida como ciência. Por outro lado, ainda podemos inferir com Certeau que as diversas maneiras de se fazer história poderiam descaracterizar alguns de seus pilares, principalmente se levarmos em conta o local de produção dessa história: a Europa. Ou seja, o próprio recorte do objeto já demonstra o contexto onde o pesquisador/autor está inserido, nesse sentido a valorização de seu trabalho ocorrerá na medida em que seu “lugar social” for levado em consideração.

Na perspectiva do ensino os dados mais recentes são bastante preocupantes levando em consideração as altas taxas de anafalbetismo e evasão escolar, demonstrando o quanto ainda há um forte iletramento entre os indivíduos das universidades. Ainda podemos dizer que a desvalorização da disciplina acontece após longos anos de valorização das ciências exatas , as quais além de terem a maior parte dos recursos financeiros direcionados à ela, foram priorizadas pelo capitalismo internacional.

Aliado a isso, o ensino de História não tem alcançado as classes menos favorecidas, demonstrando o quanto a preocupação com o cidadão não tem sido parte da agenda política dos governantes e ainda deixada de ser objetivo entre os professores. Os projetos de transformação quando ocorrem são concentrados nas mãos de poucos educadores que atuam ainda de forma isolada nas escolas. Percebe-se assim, que a implementação das leis como a 10.639/03 não ocorrem de maneira suficiente, levando os espaços escolares a negligenciar as conquistas e transformações no campo dos direitos sociais no Brasil [CRUZ, 2001, 68-9; XAVIER, 2013, 89].

Na História o debate sobre o social e as conquistas de direitos ganhou nova perspectiva analítica e isso deve ser levado em consideração, sobretudo, por conta dos afrodescendes. Uma historiografia contemporânea valoriza o papel de pesquisadores como Nina Rodrigues, Clovis Moura, Guerreiro Ramos, Abdias do Nascimento e Elisa Larkin Nascimento, entre outros grandes nomes do movimento negro[XAVIER, 2013, 94].

Da mesma forma, a História Nova ou a École des Annales atuou para fazer essa transformação no campo das mentalidades, por exemplo: romper com os paradigmas da História Tradicional os Annales preconizaram um caminho para uma revolução científica. Isso abriu caminho para diversas subdisciplinas dentro da História, o que para Burke (2006, p.20-1) foi algo bastante interessante e enriquecedor para a historiografia mais recente. Contudo, podemos tentar compreender esse distanciamento da docência em relação ao trabalho do historiador (pesquisador) pela dificuldade da própria História Nova ainda apresentar desafios e desconfianças.

“A preocupação parece estar ligada à possibilidade de uma desestruturação do campo, numa referência clara à grande quantidade de caminhos que se abriram à pesquisa histórica. [...] uma nova maneira de fazer História trouxe um sentimento de insegurança, um receio de fragmentação, de perda de referencial [CRUZ, 2001, 74].”

Nesse sentido, é interessante percebermos o quanto a educação ainda tem dificuldades de se distanciar dos paradigmas da História Tradicional. No caso brasileiro, o campo histórico encontra mais dificuldades já que nossa educação foi totalmente pautada nos métodos introduzidos pelos jesuítas. A transmissão acrítica do conhecimento foi uma das principais práticas dos missionários no afã de transmitirem o saber dogmático de que se pensavam portadores.

A dificuldade em se romper com essa centralidade do saber e de uma certa prepotência por parte de alguns educadores têm contribuído para um movimento de retrocesso dos parâmetros curriculares. Um dos caminhos possíveis em se investir seria através do construtivismo e nas formas de autonomia dos alunos.

O que Morin denominou de “estruturas mentais complexas” também podem representar uma inovação na maneiro com que se ensina. Se optamos pela complexidade preconizada por Morin escolhemos uma mudança que precisa ocorrer em amplos níveis, seja na educação primária seja na universidade, para tal é preciso incentivar a interdisciplinaridade, o estudo do contexto e o que há de mais complexo nas malhas dos saberes [PERAGLIA, 1995,75].

O saber complexo pode estar na interligação dos campos de saber, onde a transdisciplinaridade também atuará como diálogo entre as áreas do saber, levantando novas questões, novos problemas e demonstrando o quanto a ciência ainda está em transformação [PERAGLIA, 1995, 75]. Através desse processo, os pesquisadores, professores e cientistas sociais podem perceber o quanto esse grande momento de inquietação é importante porque pode provocar no homem o deslocamento de seu lugar comum e aproximá-lo de seu papel de indivíduo-cidadão.
  
Considerações finais
A escrita da História, a pesquisa histórica e o ensinar história passam por sérios problemas visto que os paradigmas da história tradicional ainda não foram totalmente quebrados e as políticas públicas atuais ainda estão distantes do ensino de história adaptado às experiências vividas e ao intento de se construir o cidadão, ou no mínimo educar para o exercício de seus direitos e deveres na sociedade.

O historiador e o educador têm tarefas bastante árduas pela frente em um campo que está cada vez mais tenso por debates conceituais internos e ainda por fortes ataques que buscam situar a disciplina como algo de menor importância em relação às outras áreas.

Nossos escritos, pesquisas e atividade de docência tem falhado profundamente em devolver à História seu papel de transformação dos indivíduos em uma perspectiva singular e plural. Assim, ainda precisamos do reconhecimento dos nossos pares, dos levantamentos bilbiográficos e dos programas político-pedagógicos para modificar um pouco do ensino e da própria área em nosso país.

Atualmente, o cientista social está no “entre-lugar” e não tendo controle de seu objeto (pois não tem o controle da verdade) acabou se distanciando ainda mais de seus interlocutores. Assim, a História periga se transformar em uma generalização extrema com inúmeros subtemas e o professor um mero funcionário de um Estado responsável por perpetuar um processo de alienação político-social, complicando a inserção social dos seus alunos-cidadãos.

Referências
Gustavo Durão, Doutor em História Comparada (UFRJ) Pós-doutorando(UFRRJ, integrante do grupo Interinstitucional Áfricas (UFRJ-UERJ).

BARROS, José D’Assunção. O campo da História. Petrópolis: Editora Vozes, 2013
BORGES, Vavy P. O que é História. São Paulo: Brasiliense, 2006.
BURKE, Peter (org.) A escrita da História: Novas Perspectivas. São Paulo: Ed. Unesp, 2011.
CARVALHO, Raphael Guilherme de. Sérgio Buarque de Holanda. Do mesmo ao outro: Escrita de si e memória (1969-1986).Tese (Doutorado em História) - UFPR Paraná, p.328. 2017.
CERTEAU. Michel de. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
CRUZ, Marília B. O Ensino de História no contexto das transições paradigmáticas da História e da Educação. In: NIKITIUK, Sônia L. (Org.) Repensando o Ensino de História. Editora Cortez, 2001.
FALCON, Francisco J. C. A identidade do historiador. Revista Estudos Históricos (FGV), v. 9, n. 17, 1996, pp. 7-30.
GASPARELO, A. M. Construindo um novo currículo de História In: NIKITIUK, Sônia L. (Org.) Repensando o Ensino de História. Editora Cortez, 2001.
MARQUES, Adhemar et al. História Contemporânea através de textos. (Série Textos e Documentos – 5). São Paulo: Editora Contexto, 2013.
MOREIRA, A: F. B. Escola, currículo e a construção do conhecimento In: SOARES, Marisa. et al. Escola Básica. Campinas: Papirus, 1992.  
MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. São Paulo: Difel, 1968.
PETRAGLIA, I.C. Edgar Morin: A educação e a complexidade do ser e do saber. Petrópolis: Vozes, 1995.
ROCHA, Ubiratan. Reconstruindo a História a partir do imaginário do aluno. In: NIKITIUK, Sônia L. (Org.)  Repensando o Ensino de História. Editora Cortez, 2001.
XAVIER, Giovana. “Já raiou a liberdade”: caminhos para o trabalho com a história da pós-abolição na educação básica. In: MONTEIRO, Ana Maria; PEREIRA, Amílcar Araújo (Orgs.) Ensino de Histórias e Culturas Afro-brasileiras e Indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.   

3 comentários:

  1. Olá! Agradeço pelo texto!

    O senhor disse que "A História enquanto disciplina poderia investir em situar o aluno em seu contexto histórico. Seria mais proveitoso fazer com que atuassem mais e reproduzissem menos, que agissem e transformassem mais. Não é mais aceitável que o aluno só reproduza os conceitos, ele precisa refletir sobre eles e reapropriar as interpretações históricas tendo como base suas experiências".

    Mas, de uma forma bem pragmática, isso implica em uma reforma curricular, ou eu diria mais, de gestão escolar, das secretárias de educação federal e estaduais/municipais, pois não? Uma reforma desse porte iria na contramão da BNCC recém aprovada para o Ensino Médio e o Fundamental, com seus referenciais de competências já predeterminados.

    Seria possível uma revolução ou uma contrapartida iniciada pelos professores nesse sentido, sem apoio do estado, dos governos e, ademais, da população? Parece-me inviável.

    Mas, enfim, depois dessas especulações que fiz, gostaria de terminar com uma pergunta definitiva: o senhor acha que uma mudança mais no sentido proposto ocorrerá ou ainda pode ocorrer?

    Guilherme Nogueira Magalhães Muzulon.

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  2. Caro Guilherme,
    Muito obrigado pela sua pergunta.
    Estive me baseando nos projetos individuais lançados pelos professores, alguns deles inclusive pensando a implementação do ensino de História da África e da cultura afro-brasileira (Lei 10.639/03 nos quais observou-se que os parâmetros curriculares são de fundamental importância, contudo, não podem engessar a atividade dos professores de História.
    Nesse sentido, acho que não me fiz claro, mas acredito na mudança através da educação através do incentivo da consciência crítica dos alunos e vejo a preocupação dos professores em "checar" se o aluno efetivamente aprendeu.
    A revolução que proponho é através da História Temática, o que auxiliaria o aluno a transitar melhor não só nos debates interdisciplinares como dentro dos próprios temas históricos. Há um grupo de professores inclusive que utiliza a BNCC para aproximar os temas da antiguidade das análises sobre o Egito Antigo (na questão do afrocentrismo), demonstrando aproximações e distanciamentos entre as análises europeias ocidentais e das perspectivas do Afrocentrismo.

    Mais uma vez obrigado e espero ter respondido suas perguntas

    Gustavo Durão

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  3. Boa Noite Professor Gustavo.
    Como Estudante do Curso de História, Segundo Ano, tenho percebido que o Curso em si já é por si só um tanto quanto limitado.
    Meu sonho é ver como fez os Annales, a união com outras Ciências pra um melhor resultado.
    Eu pergunto se é possível diante do atual quadro e com as pressões pra que a História, além de tudo ainda vem sofrendo essas pressões pra ser apenas um instrumento de Doutrinação Política, ainda assim é possível no futuro a União com outras Ciências pra um melhor ensino e pra que os Estudantes possam pensar e buscar por suas próprias respostas?
    Valmir da Silva Lima.

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